FIM DE TURNO
Saídas de fábrica no cinema
de Lumière a Loach
Site-livro de Carlos Alberto Mattos
Saída para a luta
Máquinas paradas

Paralisações trabalhistas constituem um tema frequente na cinematografia mundial desde que Serguei Eisenstein criou os paradigmas audiovisuais com o clássico A Greve. A saída dos empregados rumo aos piquetes e à greve, antecedida pela paralisação das máquinas, é cena revisitada, em diversas acepções, ao longo da história do cinema. Nem sempre em chave épica, mas até como comédia, a exemplo do que fez Charles Chaplin em Tempos Modernos.
Em A Greve (Stachka, 1925), Serguei Eisenstein se reporta a eventos reais numa fábrica de locomotivas na Rússia czarista de 1903. Um operário é falsamente acusado de roubo e se suicida. O episódio revolta seus colegas, que resolvem entrar em greve por melhores salários, menos horas de trabalho e melhor tratamento. Aos 22’50, os operários atendem ao chamado de “Parem o trabalho!”, largam suas ferramentas e saem correndo para fora da fábrica em direção a uma antiga fundição, onde vão organizar a resistência.
Aos 30’, já então donos da situação, mais uma vez os trabalhadores cruzam o portão da fábrica, agora levando um gerente e um capataz capturados em carrinhos de mão para jogá-los de uma ribanceira dentro da água. O ato constitui mais um divertimento que uma vingança violenta contra os agentes do capital.
Por fim, aos 31’45, um plano aéreo mostra uma legião de operários abandonando as instalações da fábrica, seguido pela imagem icônica do líder trabalhador e dois empregados veteranos cruzando os braços solenemente enquanto a engrenagem de uma máquina cessa o movimento. A greve estava consolidada.
O episódio da greve de 1903, assim como o levante dos marinheiros do encouraçado Potemkin em 1905, antecipou o sentimento revolucionário que levaria aos eventos de outubro de 1917. Em A Greve, Eisenstein trocava o grupo amorfo e diletante de trabalhadores dos primeiros registros à moda dos Lumière por uma massa ativa e organizada. Havia um líder, um chamado à união e uma meta para o ato de sair da fábrica. Ainda assim, o protagonismo dos operários se dava na chave do martírio político, uma vez que seriam vítimas de um massacre pelas forças policiais.
A dinâmica da encenação e da montagem eisensteinianas, em oposição à câmera estática e ao plano único dos registros pioneiros, injetava energia à mise-en-scène e realçava os contrastes entre as forças do trabalho e do capital.
Charles Chaplin nos legou uma versão humorística da saída para a luta em Tempos Modernos (Modern Times, 1936). O filme faz uma sátira devastadora da produção industrial fordista, na qual o homem é escravizado pelo ritmo da linha de montagem e literalmente engolido pela máquina gigante, ou seja, o sistema.
Aos 67’, os operários são conclamados a paralisar o trabalho, mas os policiais estão a postos para afastá-los do portão da fábrica. O personagem de Chaplin, um operário alheio ao mundo político, simplesmente acompanha os colegas. Enxotado fisicamente por um guarda (o típico antagonista de Carlitos), ele acidentalmente faz um bloco de madeira atingir um policial e intensifica a confusão. É recolhido pelo carro de polícia e levado para o presídio.
Para além de seu valor cômico, a cena sublinha a condição do homem comum, que, além de massacrado pelo trabalho repetitivo e alienante, é vítima dos conflitos sociais. Carlitos operário não é mais um vagabundo que corre dos policiais, mas alguém que encara o guarda e pede calma com as mãos antes de ser detido por uma força policial que se opõe à força de trabalho.
A figura do representante da ordem repressora ganha outro tipo de destaque numa curta cena de saída de fábrica em The Rank and File, telefilme dirigido por Ken Loach (ainda assinando Kenneth Loach) em 1971. Baseado numa greve real do ano anterior, o longa-metragem encena os impasses entre a fábrica de vidros Wilkinson Glass e os trabalhadores que se insurgem contra os sindicalistas pelegos e decidem formar um comitê de base (rank and file committee) para negociar com os patrões. Estes, porém, só reconhecem o sindicato oficial.
No último ato do filme, em reação à suspensão de um membro do comitê, os operários cruzam o portão da fábrica rumo a uma reunião onde decretariam uma greve simbólica de três dias. O plano único descreve uma panorâmica paralela à movimentação dos trabalhadores e se detém diante do policial (ou segurança da fábrica) que esfrega as mãos.
Ken Loach, talvez o cineasta europeu de primeira grandeza mais efetivo ao lidar com as questões trabalhistas, criou com Pão e Rosas (Bread and Roses, 2000) uma boa variante para o tema tradicional da fábrica. Aqui o drama se passa entre faxineiras e faxineiros de um grande prédio corporativo em Los Angeles.
A terceirização instala um vácuo entre trabalhadores e aqueles a quem prestam serviços, uma vez que os contratantes atuam como intermediários. No chamado prédio 646 de uma rua não identificada, a limpeza é feita por trabalhadores imigrantes de origem latina, muitos em situação ilegal e não sindicalizados, o que os faz presas fáceis das chantagens dos patrões e de seus prepostos. Para a sociedade, seus uniformes os tornam pessoas invisíveis.
No centro do enredo - que no final toma rumos de melodrama - está Maya (Pilar Padilla), jovem imigrante mexicana que se entusiasma política e romanticamente com um líder sindical de métodos ousados (Adrien Brody). Numa cena, os serventes do 646 se impõem contra a repressão do supervisor (também latino) e saem do edifício para engrossar uma pequena manifestação de faxineiros sindicalizados. Era a primeira vez que aderiam às reivindicações por melhores condições de trabalho. Estamos, então, num ponto de virada da história, quando Maya e suas companheiras decidem se juntar à luta.